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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

NEUROGÊNESE NO CÉREBRO ADULTO

NEUROGÊNESE NO CÉREBRO ADULTO:

MORTE DE UM DOGMA



Gross, CG. Neurogenesis in the adult brain: death of a dogma. Nature 10/00 (1) 67-73 [PDF]





Por mais de 100 anos a hipótese central da neurociência tem sido que “novos neurônios não são adicionados ao cérebro de um mamífero adulto”. Este trabalho examina as origens deste dogma, sua manutenção em face a evidencias contraditórias e seu colapso final. A aceitação da neurogênese adulta pode ser parte de uma mudança no paradigma contemporâneo da visão da plasticidade e estabilidade no cérebro de adultos.



O DOGMA DE MEIO SÉCULO



No final do século 19, a idéia de que o cérebro de um mamífero adulto permanece constante estruturalmente, foi abraçada universalmente pelas principais figuras da época, incluindo Koelliker, His e Cajal. Quais são as origens deste ponto de vista? Koelliker, His e outros descreveram em detalhes o desenvolvimento do sistema nervoso central em humanos e outros mamíferos. Eles descobriram que a estrutura do cérebro permanece fixa logo após o nascimento. Devido a aparente permanência constante da arquitetura elaborada do cérebro, a idéia de que neurônios eram adicionados constantemente foi inconcebível. Similarmente, Ramón, Cajal e outros descreveram as diferentes fases do desenvolvimento dos neurônios, que termina com as características estruturais multipolar do adulto. Como nenhuma figura mitótica nem os estágios do desenvolvimento foram vistos no cérebro de adultos, a possibilidade de adição contínua de neurônios era raramente levada a sério.



Na primeira metade do século vinte, foram relatados ocasionalmente neurogênese pós-natal em mamíferos. Schaper argumentou a existência de células indiferenciadas que estavam fortemente distribuídas no cérebro de teleostei a humanos, e que estas poderiam se diferenciar tanto em neurônios com em glia. Levi relatou mitose em neurônios pequenos no cérebro danificado de porco. Ao mesmo tempo, Hamilton detectou mitose em ratos de quatro dias de vida, e Allen relatou figuras mitóticas no cérebro de rato de até pelo menos 120 dias após o nascimento. Em muitos desses estudos, figuras mitóticas foram descobertas forrando as paredes do ventrículo lateral e na zona subventricular de ratos adultos. Consequentemente, a possibilidade de que novas células surgindo na zona subventricular e migrando para o cérebro para formar neurônios maduros foi sustentada.



Entretanto, nestes estudos, não ficou claro se as células sob mitose se tornavam glia ou neurônio. Infelizmente, nenhum dos métodos usados pelos investigadores foi capaz de distinguir uma célula glia se multiplicando de um pequeno neurônio mitótico.



Estes relatos isolados constatando a possibilidade da neurogênese em cérebro de adulto, tendiam a ser ignorados pelos livros e muito pouco citados. Possivelmente isso ocorreu devido ao grande peso da autoridade opositora à idéia e a inadequação de métodos disponíveis para detectar a divisão celular e realizar a distinção entre glia e neurônios pequenos.





TIMIDINA TRITIADA



Um avanço importante no estudo da neurogênese surgiu no final dos anos 50 com a introdução da autoradiografia com [3H]-timidina. [3H]-timidina é incorporada ao DNA durante a divisão celular. Desta forma a população de células que haviam se dividido poderia ser marcada, e seu momento e local de nascimento determinados (fig. 1). Os primeiros estudos foram realizados em roedores nos períodos pré e perinatal, refletindo a persistência da crença na ausência da neurogênese em mamíferos adultos.




Figura 1

Nascimento e morte celular no adulto. Fotomicrografias de células granulares do giro dentado coradas com violeta cresil. a. célula de rato marcada com [3H]-timidina. b. célula de rato marcada com BrdU. c. célula mitótica de macaco em anáfase marcada com BrdU. d. célula de macaco picnótica (morrendo).



Em 1961, a autoradiografia de [3H]-timidina foi usada pela primeira vez nos estudos de proliferação no cérebro de adulto. Apesar do relato de células provenientes da zona subventricular migrarem para o cérebro e se tornarem neurônios e glia em camundongos de três dias de vida, as evidências em adultos não ficaram claras.



No início dos anos 60, trabalhos foram publicados relatando a existência de novos neurônios em várias estruturas de ratos jovens e adultos, incluindo neocortex, bulbo olfatório, etc. Estes neurônios foram chamados de “microneurônios” (granulares com axônio pequeno) e foram considerados de grande importância no aprendizado e na memória. O desprezo desta descoberta é um caso clássico de descoberta feita “antes do tempo”. Houve várias razões para que este trabalho, realizado por Joseph Altman, não fosse aceito. Primeiro, as técnicas disponíveis não eram adequadas para diferenciar células neuronais das gliais. Segundo, os resultados mostraram uma migração desigual do ventrículo para, por exemplo, o bulbo olfatório e o córtex cerebral. Por último, uma importante razão para a não aceitação deste trabalho foi o fato de que Altman era um pós-doutorando auto-didata que trabalhava por conta própria no Departamento de Psicologia (MIT) e que seu o resultado de seu trabalho iria alterar um fato central e universalmente aceito da neurociência. No final dos anos 70, um livro sobre desenvolvimento da neurosciência afirmou “... não há nenhuma evidencia convincente da produção de neurônios no cérebro de mamíferos adultos”.





MICROSCOPIA ELETRÔNICA



Quinze anos depois da descoberta de Altman, vários estudos de microscopia eletrônica realizados por Michael Kaplan e seus colaboradores suportaram argumentos de neurogênese em adulto. Primeiro eles mostraram que células marcadas com [3H]-timidina no giro dentado e no bulbo olfatório do cérebro de rato apresentaram características de neurônios, como dendritos e sinapses. Finalmente Kaplan mostrou mitoses na zona subventricular de macaco adulto combinando técnicas de marcação com [3H]-timidina e microscopia eletrônica. Apesar de sua evidência para neurogênese em adulto, o trabalho de Kaplan teve pouca repercussão. Ao contrário do caso de Altman, mesmo a publicação em jornais prestigiosos e rigorosos por uma figura desconhecida não foi suficiente para fazer uma marca no dogma.





FALTA DE EVIDÊNCIAS



Outra razão para o pequeno impacto do trabalho de Kaplan foi um trabalho apresentado em um encontro em 1984 e publicado no ano seguinte. Pasko Rakic, o autor deste trabalho, conduzia estudos sobre o desenvolvimento do cérebro em primatas. Ele desenvolveu um estudo em adultos de macacos Rhesus baseado na [3H]-timidina onde foram examinadas “todas grandes estruturas e subdivisões do cérebro, incluindo a visão, motora, neocortex, hipocampo e bulbo olfatório”. Rackic descobriu células marcadas no cérebro de qualquer adulto e concluiu que “todos neurônios do macaco Rhesus foram gerados no período pré-natal e pós-natal”.



Este trabalho teve uma grande influência na neurociência. Pesquisas subsequentes usando [3H]-timidina, micrografia eletrônica e marcadores imunocitoquímicos para astroglia também não identificaram neurogênese no giro dentado do primata (relato contradito mais tarde após a introdução de novas técnicas). Para Rackic, a suposta carência de neurogênese em primatas adultos faz sentido, isto é, “uma população estável de neurônios pode ser biologicamente necessária em um organismo onde a sobrevivência depende do aprendizado assimilado durante um longo período de vida”.



As seções seguintes deste trabalho discutem três desenvolvimentos que eventualmente levam a aceitação geral de que neurônios gerados em adultos são adicionados em apenas uma região do cérebro de roedores adultos chamada hipocampo, e que isto é provavelmente um fenômeno interessante e importante. O primeiro avanço foi uma série de experimentos que mostraram neurogênese em pássaros adultos. O segundo avanço foi a introdução de novos métodos para marcar células novas e distinguir neurônios e glia. Finalmente, demonstrações que a neurogênese poderia ser regulada por importantes variáveis fisiológicas como stress, complexidade ambiental e aprendizado aumentaram a possibilidade de que neurogênese em adulto fosse mais do que vestígios ontogenéticos ou filogenéticos e que deveria ser importante em animais superiores. Desta forma duas perguntas se destacam: Ocorre neurogênese em primatas adultos? Qual seria a função destes neurônios gerados no adulto?





NEUROGÊNESE EM AVES



Começando no final dos anos 60, Nottebohm e seus companheiros começaram uma análise sistemática das bases neuronais do aprendizado musical dos pássaros. Eles descobriam vários mecanismos cruciais para o canto dos pássaros e mostraram como o volume de dois núcleos eram uma função de variáveis como sexo, maturidade sexual, complexidade do canto, espécies, nível de testosterona e estação. As mudanças no volume deste dois núcleos musicais relacionados à mudanças hormonais e de estação foram tão visíveis em algumas espécies que Nottebohm começou a investigar se estas mudanças estavam relacionadas a flutuações no número de neurônios no cérebro de aves adultas.



Em uma série de experimentos, Nottebohm e seus companheiros mostraram que, de fato, milhões de novos neurônios são adicionados todo dia ao cérebro das aves. Primeiro foi provada a adição de neurônios com [3H]-timidina; segundo, as evidências ultraestruturais que novas células estão recebendo sinapses; e por último que estes neurônios respondem ao canto como potencial de ação. Em estudos seguintes, foi relatado que os axônios destes novos neurônios se estendem por longas distâncias, o nascimento e a morte de neurônios ocorre em paralelo e que ambas as espécies musicais e não-musicais possuem neurogênese em regiões fora do cérebro, como o hipocampo e que neste último ocorre uma modulação pela complexidade do meio e experiência no aprendizado.



Apesar da semelhança entre a neurogênese de aves e de primatas, estes estudos tendem a ser vistos como irrelevantes para mamíferos. Ao invés disso, as evidências de neurogênese em aves foram vistas como uma especialização exótica relacionada com a necessidade de manter um cérebro leve e para ciclos estacionais de canto.

Novas técnicas



Nos anos 90 ocorreram vários avanços que finalmente estabeleceram a realidade da neurogênese em giro dentado no rato adulto. Primeiro foi demonstrado que as novas células formadas estidiam seus em axônios ao longo de uma via de fibras. Outro importante avanço foi a introdução do análogo da timidina sintética BrdU (5-bromo-3’-deoxiuridina). Como a timidina, a BrdU é incorporada pelas células durante a fase S da mitose, marcando estas células proliferadoras e sua progênie. Esta marcação pode ser visualizada com técnicas imunocitoquímicas (fig. 2) e não requer autoradiografia. Esta técnica permite uma estimativa do número total de células e também demonstra que as células novas expressam marcadores tipo- específicos.






Figura 2 – Marcadores célula-específicos e neurogênese.

Imagens de microscopia confocal de escaneamento laser mostrando imagens de células marcadas com BrdU. a. duas células (setas brancas) marcadas com BrdU e o marcador de oligodendrócito CNP de córtex frontal de macaque adulto. A barra de escala de 5mm também se aplica para b. b. Célula marcada com BrdU (vermelho com seta branca) co-marcada com marcador neuronal de proteína associada a microtúbulo (MAP-2) (corante citoplasmático verde) do giro dentado de um macaque adulto. c. Células duplamente marcadas com BrdU e marcador neuronal, classe III beta-tubulina (TuJ1) do giro dentado de ratos adultos. Barra de escala de 5mm. d. Célula de córtex parietal de macaque adulto co-marcada com BrdU e retrograde tracer Fast Blue (marcador azul de corpo celular). A seta amarela aponta células marcadas com BrdU e não co-marcadas com Fast blue. A barra de escala é de 10mm. e. Imagens de escaneamento laser confocal (série Z), Seções de 1mm através de uma célula marcada com BrdU (setas brancas) no córtex prefrontal de macaque adulto mostrando a co-localização do marcador neuronal, neuronal nuclei – NeuN (verde nuclear e cor citoplasmática). A seta amarela indica uma célula marcada apenas com NeuN. A barra de escala é de 15mm.



Outro avanço importante foi o uso de marcadores celulares específicos para uma identificação imunohistoquímica das novas células geradas. Entre os marcadores de neurônios maduros estão NSE (neuron specific enolase), MPA-2 (microtubule-associated protein), TuJ1 (Classe III beta-tubulina) e NeuN (neuronal nuclei). Apesar de alguns destes marcadores mostrarem presença em células não-neuronais sob certas condições e outros não estarem presentes em todos os tipos de células neuronais, a expressão de muitos destes antigenos numa população de células adultas é considerada uma boa evidência .



Neurônios imaturos podem ser marcados com as proteínas Hu, PSA-NCAM (polysialylated-neural cell adhesion molecule), TuJ1 e CRMP4 (collapsin response mediated protein 4). Alguns destes marcadores estão presentes em células não neuronais. Existem também marcadores para oligodentrócitos, como CNP e O4, e para astrócitos, como GFAP e S100b.



É interessante notar as diferenças aparentes na boa vontade de aceitar a plasticidade em diferentes estruturas cerebrais. Há poucos anos atrás Altman relatou neurogênese pós-natal no córtex cerebral e no giro dentado de roedores, e também no bulbo olfatório. A falta de evidências foi a mesma para todas as áreas. Mas os três argumentos tiveram destinos diferentes. Neurogênese no bulbo olfatório e no giro dentado foi evidenciada cedo, mas, ainda em 1991, apenas os resultados do bulbo olfatório foram incluídos no texto autorizado de Jacobson. Isto pode refletir a grande boa vontade em aceitar a plasticidade em organismos filogeneticamente mais velhos e em áreas menos interligadas. A situação do córtex cerebral de ratos ainda não está clara. Kaplan relatou esta neurogênese através de autoradiografia e evidências estruturais, mas recentemente Macklis e seus colegas não encontraram neurogênese no córtex, a menos que a apoptose fosse induzida.





REGULAÇÃO DA NEUROGÊNESE



As novas técnicas chegaram no início dos anos 90 e as afirmações feitas anteriormente por Altman de que novos neurônios eram incorporados ao giro dentado de adultos foram confirmadas por várias vezes. Mas seria esse fenômeno um vestígio filogenético ou erro no desenvolvimento? Uma série de estudos logo mostrou que a neurogênese no giro dentado poderia ser modulado pela experiência e poderia ser importante nas funções cognitivas do organismo.



Gould e colaboradores mostraram que o estresse diminuía o número de neurônios gerados no giro dentado de adultos. O aumento dos hormônios esteróides adrenais e de glucocorticóides são, provavelmente, os responsáveis por esse efeito de estresse, diminuído a taxa de neurogênese. Esses achados foram posteriormente confirmados pelos estudos de Cameron e McKay que mostraram a relação da diminuição da neurogênese nos giros dentados em idosos com o aumento dos níveis de glucocorticóides. A administração crônica de morfina e heroína também diminui a neurogênese, mas o mecanismo não parece envolver corticoesteróides.



Foram descobertas também várias condições que aumentam o número de células adultas geradas no giro. Viu-se que o oestrogênio estimula a produção de novos neurônios imaturos no giro dentado e a ovarioectomia reduz. Percebeu-se também a complexidade ambiental aumenta o número de neurônios hipocampais da mesma forma mostrada em pássaros, ratos e camundongos. Curiosamente ao colocar camundongos para correr em rodas há um aumento do número de células marcadas com BrdU no giro dentado. Mas se isso é devido à estimulação ambiental, redução do estresse ou algum outro efeito periférico do exercício, como aumento no fluxo sanguíneo ainda está incerto.



Apesar de que ambientes ricos provavelmente oferecem mais oportunidades para aprender do que experimentos padrão de laboratório, há muitas outras diferenças entre as duas condições, como a quantidade e qualidade da vida social, visual, auditória, tátil e de estimulações motoras. Para isolar os efeitos da aprendizagem, Gould e colaboradores estudaram a influência de experiências de aprendizagem na produção de novos neurônios no giro dentado de ratos. O número de novos neurônios aumentou em animais treinados em condições de cegueira ou de aprendizagem espacial, duas tarefas dependentes da região hipocampal. Ao contrário, nenhuma mudança no número de novos neurônios foi encontrada em animais treinados em tarefas não dependentes do hipocampo. Um aumento da sobrevivência dos novos neurônios pode ocorrer quando a experiência de aprendizado ocorre algum tempo após a produção celular. Ainda, há alguma discussão se o aumento pode estar confinado apenas a partes específicas do giro dentado.



Em resumo, há várias condições que podem aumentar ou diminuir a neurogênese no giro dentado de adultos, indicando que a esse fenômeno pode ser importante para a função hipocampal.





O DOGMA SE DESPEDAÇA



Na década de 90 viu-se um aumento das evidências relacionadas à plasticidade do sistema nervoso central. Diversas demonstrações de plasticidade no cérebro de mamíferos adultos têm encorajado a procura de neurogênese em primatas adultos e tornado essa possibilidade muito mais plausível do que no passado.



No fim da década a neurogênese adulta foi mostrada no giro dentado de primatas utilizando marcação de BrdU combinada com marcadores neuronais, mostrando que novos neurônios tinham sido formados em marmoset, macaque e em humanos. O estudo de Erikson em humanos com câncer foi um ponto chave para aceitação da neurogênese humana como um fenômeno real, pois mostrou que mesmo no cérebro mais complexo existente, novos neurônios continuam a ser adicionados ao longo da vida. Não está claro se a taxa ou as características da neurogênese variam entre as ordens de primatas ou roedores, pois dados comparativos ainda não estão disponíveis. Evidências posteriores para a neurogênese adulta no hipocampo vêem de estudos nos quais células progenitoras capazes de proliferação foram isoladas do hipocampo de ratos e humanos adultos.



Recentemente Gould e colegas publicaram que um número relativamente pequeno de novos neurônios foi adicionado ao neocortex de macaque adulto. Como extensão a esse trabalho os autores mostraram que a maioria desses neurônios adultos gerados possuía uma existência transiente. Através de alguns métodos foi possível visualizar o nascimento e morte do neurônio.



Portanto, mais de 100 anos após a formação da doutrina dos neurônios, finalmente está claro que o fato de que “os neurônios não podem ser adicionados ao cérebro de mamíferos adultos” é falso. Mesmo em adultos, mesmo em primatas e aparentemente mesmo no córtex cerebral. A questão agora é: quais são as funções dessas novas células?





UM PAPEL NA APRENDIZAGEM E MEMÓRIA?



Todos os dias milhares de novos neurônios são adicionados no cérebro de mamíferos. Apesar de que novos neurônios são uma minúscula proporção da população total, sua contínua adição através do tempo de vida implica numa considerável mudança estrutural. A magnitude e ubiqüidade da neurogênese adulta entre os vertebrados sugere que ela é funcionalmente significante e não meramente um vestígio do desenvolvimento.



Os dados disponíveis sobre essas novas células apresentam diferentes tempos de vida, variando de dias até a vida inteira do animal. Pode haver uma população de neurônios adultos que são gerados com longevidade curta e variável, e outra(s) população(ões) aparentemente de tamanho(s) menor(es), que é(são) permanente(s). O turnover da maioria dos novos neurônios parece mostrar que é improvável que suas funções sejam as de substituir as células mortas durante o desenvolvimento.



Essa seção considera a possibilidade que as células geradas no adulto tenham funções na aprendizagem e memória. Na próxima, uma seção mais especulativa, algumas possíveis funções dos novos neurônios na aprendizagem são discutidas. Ambas as seções enfocam o hipocampo devido ao fato de que a maior densidade de novos neurônios é gerada ali e ao maior conhecimento que temos sobre estes.



Existem cinco considerações que sugerem que a neurogênese nos mamíferos adultos pode ser importante para o aprendizado e memória.



1. Novos neurônios são adicionados a estruturas cruciais para a aprendizagem e memória. Isso inclui, na maioria dos vertebrados, o hipocampo (envolvido na aprendizagem espacial e consolidação da memória de longa duração), o córtex inferior temporal (envolvido na aprendizagem visual) e o cortex superior parietal (envolvido na aprendizagem espacial);



2. Várias condições que diminuem a proliferação de células granulares no giro dentado, como o estresse, aumento dos níveis de corticoesteróides circulantes, envelhecimento e administração de opiáceos, também prejudicam a aprendizagem dependente de hipocampo. Portanto esses prejuízos na aprendizagem podem estar relacionados com uma diminuição dos neurônios granulares gerados em adultos;



3. Várias condições que aumentam a proliferação de células do hipocampo aumentam a aprendizagem das tarefas dependentes de hipocampo. Isso inclui aumento nos níveis de oestrogênio, aumento da complexidade ambiental e “corrida na roda”. As descobertas de Praag que a corrida na roda aumenta o LTP do giro dentado, a neurogênese da região e a aprendizagem espacial também são consistentes com a idéia de uma associação entre a neurogênese adulta e a aprendizagem. Finalmente, aprendizado específico em tarefas hipocampais aumenta a vida das novas células no giro dentado. Esses resultados suportam a possibilidade que a neurogênese adulta no hipocampo pode ser importante para as funções de aprendizagem dessa estrutura. Entretanto deve-se notar que tanto os moduladores negativos da neurogênese (como o estresse) e seus moduladores positivos (como a complexidade ambiental) têm vários efeitos não relacionados à neurogênese, como mudança na estrutura dendrítica na sinapse, glia e na vascularidade, todas contribuindo para mudanças na performance de aprendizagem;



4. Novos neurônios (ou pelo menos aqueles anteriormente inutilizados) são preditos e requeridos para algumas teorias computacionais de aprendizagem. Muitos modelos contemporâneos de programação de aprendizagem encontraram que não é viável a utilização de redes já fixas. Então eles postularam a adição de unidades na rede ou a existência de neurônios não utilizados;



5. Os neurônios gerados em adultos podem ser similares aos gerados nas fases embrionárias e pos-natais no fato de possuírem algumas propriedades que podem fazê-los particularmente adequados para funções de aprendizado e memória. Por exemplo, durante o desenvolvimento, os novos neurônios estendem seus axônios e rapidamente fazem novas sinapses. Similarmente, neurônios gerados no giro dentado de adultos estendem seus axônios por 4 a 10 dias após sua geração, indicando que podem fazer sinapses longas antes de se tornarem completamente maduros. Talvez eles sejam particularmente plásticos e façam conexões mais prontamente durante estágios precoces. Finalmente células granulares que foram presumivelmente geradas na fase adulta têm um menor limiar de indução de LTP, produzindo maiores facilitações de curta duração, sendo mais plásticos e menos passíveis de inibição mediada por GABA do que células mais velhas, características que são coerentes com seu papel na memória de curta duração.





FUNÇÕES: ALGUMAS ESPECULAÇÕES



Nessa seção mais especulativa são discutidas possíveis funções dos neurônios gerados em adultos na aprendizagem e memória. Esses neurônios têm propriedades temporais que podem estar relacionadas à formação de memórias. A adição diária de neurônios no cérebro pode levar em conta o fato de que as memórias de longa duração são rotuladas de acordo com o tempo, um fenômeno sugerido por aspectos de perda de memória em pacientes humanos. Por exemplo, em condições como o mal de Alzheimer há uma perda retrogressiva das memórias. Ainda, na recuperação de amnésia traumática, as memórias mais antigas retornam primeiro. Esses gradientes temporais de amnésia implicam que as memórias mais jovens são diferentes das mais velhas, na medida que as mais velhas são mais resistentes a interferências traumáticas e de doenças. A adição continua de novos neurônios sugere um possível mecanismo para esse fenômeno. Pode haver grupos de células que guardam um tipo particular de memória, com novos neurônios adultos sendo gerados continuamente e integrados aos circuitos de memória. Portanto, quanto mais velhos os circuitos de uma memória particular mais neurônios ela deve ter e mais resistente deve ser a traumas devido à maior redundância, maior dispersão espacial ou ambos. Essa hipótese exige que haja uma população de neurônios gerados no adulto que tenham uma alta taxa de sobrevivência.



Entretanto, muitos neurônios gerados nos adultos parecem ter uma existência de tempo limitado. Isso pode estar relacionado ao processo transiente envolvido na memória. Um processo possível é a transformação de memória de curta duração a memória de longa duração. Talvez o padrão de atividade em circuitos envolvendo os neurônios recém gerados represente o tempo de estocagem de um determinado evento. Se o padrão de atividade persistir, pode produzir uma mudança nos neurônios mais velhos e permanentes que representam a memória de longa-duração, talvez atuando em sua expressão gênica resultando numa mudança na eficácia sináptica. Após a ocorrência dessa consolidação, os neurônios recém gerados no adulto podem morrer, permitindo que novos neurônios possam chegar, funcionando da mesma forma para a consolidação de novas memórias.



Um papel especifico para a geração de neurônios em adultos pode ser possível através de funções de armazenamento limitado por tempo no hipocampo. Essa estrutura parece ser essencial para armazenamento de memórias declarativas, apesar de que apenas por pouco tempo. A função do hipocampo na manutenção dessa informação diminui em memórias mais antigas, que se pensa serem estabelecidas nas áreas de associação neocortical. Essas funções de memórias temporárias no hipocampo podem envolver neurônios transientes gerados no hipocampo do adulto. Quando essas memórias tornam-se permanentemente guardadas nos circuitos neocorticais os neurônios adultos agora não-necessarios podem morrer. Em ratos, muitas células geradas no hipocampo de adultos morrem após três semanas de vida. Em macacos, muitos dos neurônios gerados em adultos morrem em nove semanas. Esses ciclos de vida correspondem aproximadamente à estimativa de duração do armazenamento hipocampal nas duas espécies, uma correlação que confere plausibilidade à idéia de que os neurônios transientes hipocampais podem ser importantes para o armazenamento transiente de funções no hipocampo.





CONCLUSÕES



A idéia que novos neurônios não são adicionados aos cérebros de mamíferos adultos vem desde as origens da moderna neurociência nos fins do século XIX. A persistência desse dogma em face a contradições empíricas e sua recente demolição mostram a força de uma tradição e a dificuldade de cientistas desconhecidos e jovens têm em alterar esses pensamentos pré-concebidos. Isso sugere também a necessidade de novas idéias surgirem juntamente com uma matriz de suporte de técnicas inovadoras que lhes tragam maior aceitação. A concordância geral sobre a neurogênese adulta, pelo menos no giro dentado do hipocampo é sugestiva e sugere uma mudança no paradigma corrente. Nos podemos estar no meio de uma revolução no nosso conceito da plasticidade do cérebro de um mamífero adulto.



Deve ser enfatizado que o número atual de neurônios gerados no cérebro de adultos é apenas uma pequena proporção da população total de neurônios. Mas a existência de neurônios gerados na fase adulta no hipocampo (e provavelmente em todos os lugares do cérebro) e a possibilidade que essas células possam funcionar na capacidade de aprendizado e memória oferecem novos mecanismos para o armazenamento de informações no cérebro. Pode ser que a aprendizagem e a memória envolvam o desenvolvimento de circuitos inteiramente novos com elementos novos e anteriormente não utilizados, tanto quando a modulação de velhos circuitos e conexões.



Finalmente, a neurogênese adulta pode também ser relevante na corrida para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas para o tratamento dos danos cerebrais.





PERGUNTAS



Perguntas normais


1. Como a [3H]-timidina pode ajudar nos experimentos relacionados com a neurogênese em mamíferos adultos?



2. Quais eram os motivos para a não aceitação da neurogênese em adulto relatada por Altman nos anos 60?



3. Cite os novos avanços tecnológicos que sustentaram as evidências de Altman na atualidade. Fale um pouco do modo de ação de cada técnica.



4. Com a utilização de novas técnicas, qual foi a conclusão final aceita pelo mundo científico com relação a neurogênese em mamíferos adultos?



5. Os estudos de neurogênese em aves revelaram uma ligação deste fenômeno com um hábito importante destes organismos. Qual é este habito e sua ligação com a neurogênese?



6. Há várias condições que podem aumentar ou diminuir a neurogênese no hipocampo de adultos. Cite alguns deles e explique, se possível, como eles atuam.



7. Através de experimentos com marcadores que são incorporados ao DNA durante a replicação, como o BrdU, foi possível perceber a produção de novos neurônios nos sistemas nervosos de vários organismos. Além disso, os cientistas conseguiram também mostrar que essas células eram transientes, ou seja, elas tinham um tempo de vida limitado. Como eles conseguiram medir isso e qual a hipótese feita sobre a atuação dessas células no sistema de aprendizagem/memória?



8. Considerando qual fato os cientistas concluíram que o surgimento das células novas não era um evento isolado ou um erro no desenvolvimento e chegaram à conclusão de que esses neurônios deveriam ter uma função específica?



9. Quais são as cinco observações que fazem o autor concluir que a neurogênese nos mamíferos adultos pode ser importante para o aprendizado e memória?



10. Quais as três explicações especulativas que o autor dá para as possíveis atuações dos neurônios formados no cérebro de adultos na memória e na aprendizagem?





Perguntas filosóficas


1. Se a ciência, assim como a religião, pode conter seus dogmas, como o de que “os neurônios não se regeneram” ou “Deus existe”, qual a diferença entre as duas formas de se entender o mundo? Como a ciência e religião tratam a quebra de seus dogmas?



2. No início dos estudos em biologia molecular, o genoma dos organismos era visto como uma unidade altamente rígida, complexa e imutável. Apenas depois de muitos anos de estudo foi possível provar que o genoma é relativamente mutável e instável, podendo realizar quebras, rearranjos, trocas, transposições e mutações. A partir de agora estamos descobrindo que também as estruturas cerebrais não parecem ser tão coordenadas como pensamos, o que você pode esperar sobre as novas descobertas da neurobiologia? Será que descobriremos padrões cada vez menos rígidos, demonstrando uma maior plasticidade dos arranjos neuronais?



3. Uma vez li um livro de um médico indiano (que ainda pode ser encontrado nas livrarias) chamado longevidade do cérebro. O autor indicava, entre outras coisas, que os neurônios não se regeneravam em adultos (acho que o livro era de 95 então vá lá...). Entretanto ele dizia que os neurônios que sobreviviam aumentavam o número de conexões, podendo, à medida que o tempo passava, entrar em contato com um número maior de outros neurônios e que isso supriria a perda dos neurônios por morte. Existe alguma evidência que aponta isso ou o cara viajou? (Ele defendia também a aplicação de certas drogas e alimentos, inclusive de gingko biloba para aumentar a atividade cerebral, existe evidência para isso também?)



4. Como a complexidade ambiental, no caso mostrado, o fato do camundongo correr na roda poderia levar a um aumento na neurogênese?

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A terapia

A terapia
A Terapia CranioSacral (TCS) é um método manual, sutil, de avaliação e tratamento global do corpo, que pode ter um impacto positivo sobre vários sistemas corporais. Empregada isoladamente, ou em combinação com outros métodos de tratamento da saúde mais tradicionais, a TCS tem comprovado ser clinicamente eficaz em facilitar a capacidade de cura do corpo, e frequentemente produz resultados extraordinários.